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Princípios de Plasticidade Cerebral e Estratégias Cognitivas na Reabilitação Cognitiva de pacientes com a Demência de Alzheimer

Princípios de Plasticidade Cerebral e Estratégias Cognitivas na Reabilitação Cognitiva de pacientes com Demência de Alzheimer

Profa. Dra. Gislaine Gil

No atendimento neuropsicológico de pacientes com Doença de Alzheimer (D.A.) é frequente o familiar relatar que seu ente querido está esquecendo o nome de amigos, ter dificuldade para encontrar a palavra certa durante o discurso, perder o fio de uma história ao ler o jornal ou iniciar uma tarefa sem os materiais necessários. Isso ocorre, pois, a D.A. é o tipo mais prevalente de demência que é uma síndrome associada as condições neuropatológicas que causa declínio cognitivo importante, a partir de nível anterior de desempenho. A alteração cognitiva pode ocorrer em um ou mais domínios cognitivos, sejam esses: atenção complexa, função executiva, aprendizagem e memória, linguagem, perceptomotor ou cognição social e levar a perda da independência funcional (Mckhann, et al., 2011). 

A projeção de casos diagnosticados até o ano de 2050 será de 16 milhões (NIH Alzheimer’s disease Fact Sheet, 2005). Ainda não há cura para a doença, mas é particularmente importante retardar o declínio cognitivo e funcional, visto que evitar um declínio de 2 pontos no teste de rastreio MMSE (Mini-exame do estado mental) pode poupar uma família de gastar milhares de dólares anualmente, além de manter a funcionalidade por um período maior de tempo, atrasando a necessidade de cuidados mais intensos e institucionalização (Ernst, 1997).

Os medicamentos como os inibidores da colinesterase e a memantina fornecem benefícios limitados, mas há evidências que sugerem que os métodos farmacológicos, associados ao não farmacológico, como a Reabilitação Cognitiva (R.C.), podem maximizar os benefícios funcionais para pacientes com demência (Germain, et.al., 2019; Buschert et.al., 2010; Dyck, 2004), além de ter bom custo-efetividade olhando a qualidade de vida como medida de desfecho (Knapp, et.al., 2006).

A R.C. é o processo de reaprender habilidades cognitivas que foram perdidas devido à alteração cerebral, mas se as habilidades não puderem ser reaprendidas, outras capacidades serão usadas para compensar as funções cognitivas alteradas (Cicerone, et al., 2005).

Na demência por doença de Alzheimer compensar as funções cognitivas para minimizar o impacto funcional é o objetivo, isso é possível, pois em seu estágio inicial, algumas funções estão preservadas, como a memória implícita, e podem ser alvo de intervenção (De Vreese, et.al., 2001, Clare, et.al., 2001). Logo, métodos compensatórios são utilizados para promover maior autonomia e qualidade de vida pelo maior período de tempo, aprimorando as habilidades dos pacientes para compensar a alteração do funcionamento cognitivo (Brueggen, et.al., 2017). Os benefícios da R.C. permanecem até um ano após seu término (Germain, et.al., 2019).

Princípios de Plasticidade Cerebral na Reabilitação Cognitiva

Com o envelhecimento há alterações estruturais e funcionais, incluindo o funcionamento neuromodulatório. Entretanto, descobriu-se que o sistema nervoso tem a capacidade de ajustar sua organização estrutural em resposta ao meio ambiente (Mahncke, 2006), ou seja, o cérebro tem a capacidade de se reestruturar para se adaptar às circunstâncias em mudança aos novos estressores.   

Clare e colaboradores (2010) num estudo controlado randomizado, simples-cego, consistindo de R.C. versus sem tratamento nos pacientes com DA leve encontraram um aumento nos sinais dependentes de oxigênio no sangue no grupo submetido a R.C. em áreas que fazem parte da rede para codificação associativa visual e aprendizagem (área fusiforme direita, córtex para-hipocampal direito, junção do córtex parieto-temporal direito, córtex pré-frontal medial direito), enquanto indivíduos na condição controle mostraram atividade reduzida. Portanto, evidenciando que o sistema nervoso central pode alterar dinamicamente sua estrutura, graças à sua plasticidade neural, mesmo em pessoas idosas com D.A.

Estratégias Cognitivas utilizadas na Reabilitação Cognitiva

Ao planejar o cuidado do paciente em Reabilitação Cognitiva é fundamental avaliar os pontos fortes e fracos da cognição, a partir da Avaliação Neuropsicológica. Após, o profissional determinará as queixas cognitivas que afetam as tarefas e rotinas diárias do paciente e verificará como ele as gerencia. Ainda, identificará as áreas em que o paciente está mais preparado e motivado para alcançar mudança; ajudando com isso, a estabelecer metas pessoalmente significativas.

Em certas situações, pode ser apropriado e desejável incluir membros da família ou cuidador para permitir que sejam identificadas metas realistas. Por exemplo, para uma pessoa com demência lembrar dos nomes de todas as pessoas que conhece pode simplesmente não ser alcançável. Se lembrar os nomes é crucial para o paciente, um conjunto limitado de nomes precisará ser especificado. Definido o objetivo, na sequência o reabilitador recrutará as melhores estratégias cognitivas para alcança-lo.

Como relatado anteriormente, pacientes com D.A. apresentam intacta a memória implícita, logo estratégias cognitivas que a envolvam será fundamental para o sucesso da R.C.  

São muitas as estratégias cognitivas, sendo as mais utilizadas: a aprendizagem sem erros, a recuperação espaçada e o desaparecimento de pistas (Clare, 2008). 

• Aprendizagem sem erros 

A aprendizagem sem erros é um procedimento projetado para ensinar habilidades que reduz ou elimina erros de aprendizado ou o emparelhamento incorreto de informações.

Evitando os erros de aprendizagem, fortes conexões associativas são formadas para sequências de habilidades corretas. Inicialmente, o treinamento é altamente estruturado e muitas dicas e sugestões são fornecidas para incentivar o aprendizado bem-sucedido e a recordação de informações de treinamento. Com o tempo, à medida que essas associações se fortalecem, as sugestões ambientais podem ser removidas. Por exemplo, ao ensinar uma pessoa os passos de fazer ovos mexidos, o ambiente de treinamento pode inicialmente ser montado de modo a estimular cada um dos passos e como essas sequências de ações se tornam mais automáticas e implícitas, as sugestões ambientais podem ser removidas lentamente.

• Desaparecimento de Pistas 

O desaparecimento de pistas é uma técnica de redução sistemática de informações. Quando o paciente com D.A. está aprendendo alguma informação começa-se com a quantidade de pistas para que a pessoa tenha sucesso na evocação da informação e, então, lentamente diminui-se as sugestões. Logo, ao final da tarefa o profissional de R.C. estará sempre trabalhando com a quantidade mínima de sugestões necessárias, por exemplo, para recordar onde mora (para revisão das estratégias cognitivas e queixas revise a obra de Gil & Busse, 2019).

• Recuperação Espaçada (R.E) 

A recuperação espaçada ajuda a aumentar a retenção de informações, sendo benéfica em: associações nomes e rostos, nomeação de objeto, memória para localização de objeto, utilizar um calendário, ajudar a pessoa a lembrar se de usar o caderno de anotações para responder perguntas (por exemplo, “Quando minha filha vem me visitar?) e outras atribuições da memória prospectiva (lembrar-se de uma intenção no futuro).

Na R.E os ensaios ocorrem em intervalos de expansão gradual. Por exemplo, ao mostrar uma foto de um rosto junto com um nome o paciente deverá lembrá-lo após vários intervalos definidos (por exemplo, 5 segundos, 10 segundos, 30s, 1 minuto, 2m, 5m). Se uma resposta correta for dada - o intervalo é expandido. Se não, a resposta correta é ensaiada, pedindo-se ao paciente que repita a resposta correta - e o intervalo é encurtado para o intervalo anterior em que a recordação bem-sucedida ocorreu. 

As sessões de teste ocorrem dentro do contexto de uma situação que proporciona interação social e reduz as demandas, como uma conversa casual. 

Obstáculos à Reabilitação Cognitiva: 

Assim como todas as terapias, sejam essas medicamentosas ou não medicamentosas, há obstáculos (Choi et.al., 2013) e isso não é diferente na R.C. Pessoas com D.A. podem ter dificuldade para aderir a Reabilitação devido à:

• Anosognosia

É muito comum, os pacientes com demência por doença de Alzheimer negar a presença ou a gravidade dos prejuízos cognitivos e funcionais, apesar de evidências palpáveis em contrário. A Anosognosia tem sido descrita como uma falta de consciência ou percepção da doença, que pode representar um mecanismo de defesa, um prejuízo nos processos cognitivos que sustentam o insight, ou ambos.

• Depressão

A depressão é uma doença relatada com grande frequência em pacientes com doença de Alzheimer em estágios iniciais. Ela pode ser um fator confundidor significativo em qualquer tipo de programa de R.C. porque exacerba ou pode ser a causa de déficits cognitivos, em vez da deterioração relacionada à D.A.. A depressão em si parece ser um fator de risco para D.A. Independentemente da etiologia, a depressão pode levar a uma espiral descendente de desesperança e prejudicar o engajamento do paciente em R.C.

• Pensamentos disfuncionais  

Crenças derrotistas são esquemas disfuncionais que são automaticamente gerados em resposta a sentimentos de desesperança (por exemplo, “Se eu não consigo lembrar este nome, eu sou um fracasso completo e não adianta fazer o resto da Reabilitação”). Esses pensamentos disfuncionais levam os pacientes a assumirem o pior resultado e contribuem para um fraco senso de autocompetência que influencia tanto o humor quanto o comportamento e, portanto, piora as habilidades cognitivas e funcionais, impedindo que as pessoas usem até suas habilidades cognitivas mais intactas.

• Entender a importância da tarefa 

Outro fator que contribui para o pouco engajamento na R.C. é a compreensão que o paciente tem sobre o propósito por trás das tarefas específicas. Embora algumas tarefas de R.C. tenham alto engajamento (por exemplo, lembrar nomes de pessoas conhecidas), para outras tarefas (por exemplo, tarefas de atenção sustentada que envolvem o rastreamento de um alvo na tela de um computador), pode não ser evidente. Em casos como este, é imperativo que uma justificativa adequada para tarefas específicas seja fornecida aos pacientes repetidamente. Uma explicação simples de que praticar o rastreamento de um alvo na tela de um computador pode melhorar a concentração, e essa concentração é o primeiro passo para lembrar detalhes importantes como o nome de um ente querido.

Estratégias para Promover a Aderência 

Se de um lado há obstáculos, de outro existem estratégias para promover a aderência ao tratamento em R.C. São elas:  

• Envolver a família e/ou cuidador

Para alguns pacientes com D.A. pode ser fundamental envolver membros da família ou cuidador para ajudar a alertar ou relembrar as atividades aprendidas na R.C. Eles também podem fornecer uma avaliação independente do nível atual das metas que o paciente estabeleceu e atingiu na R.C.

• Intervenção Realista e Motivacional 

A intervenção em R.C. deve concentrar-se em situações reais da vida cotidiana, sendo que, a identificação de onde e por que as dificuldades específicas surgem no envolvimento ou na conclusão de uma atividade facilitará a seleção de metas realistas e realizáveis e planos de intervenção mais eficazes e motivadores.

• Senso de autoeficácia  

Identificar algo que pode ser modificado para melhorar a situação atual e trabalhar com esse objetivo pode ajudar a melhorar o senso de autoeficácia (a crença de que podemos influenciar ou exercer controle sobre aspectos de nossa situação) e bem-estar. A realização bem-sucedida do objetivo desejado pode criar uma sensação de satisfação.

O tratamento em R.C. mostra-se cada vez mais promissor (Germain, et.al., 2019, Brueggen, et.al., 2017, Clare, et.al., 2010, Cicerone, et.al., 2005, De Vreese, et.al., 2001, Clare, et.al., 2001) e seu sucesso demostra estar entrelaçado às estratégias cognitivas e aos fatores que impactam na adesão e promovem a aderência. Envolver a família e o cuidador (Germain, et.al., 2019) no tratamento é fundamental, pois objetiva esclarecimentos sobre o quadro clínico e sua evolução; com apontamento de habilidades e dificuldades do paciente, além de problemas de comportamento possíveis. Ainda, há orientações para auxiliar a generalização das aquisições em R.C. para o ambiente doméstico e compartilhamento de medos e angústia quanto ao futuro. 

Sobre a autora:

Profa. Dra. Gislaine Gil 

-Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da USP. 

-Mestre em Gerontologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).  

-Pós-graduada em Avaliação Psicológica e Neuropsicológica pelo Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (IPq-HCFMUSP).  

-Gestão em Clínica Médica pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).  

-Título de Especialista em Neuropsicologia pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP). 

-Título de Especialista em Gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).  

-Coordenadora do Programa Cérebro Ativo do Hospital Sírio Libanês (HSL). 

-Coordenadora do Curso de Capacitação em Estimulação Cognitiva com Simulação Prática do Vigilantes da Memória com apoio da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

-Autora dos livros: Memória tudo que você gostaria de saber, mas esqueceu de perguntar da editora Campus Elsevier, Ensinar a Lembrar: guia prático para ajudar a reconhecer e melhorar problemas de memória da Casa Leitura Médica e Como lidar com problemas de memórias e doenças neurodegenerativas da editora Hogrefe. 


Referências Bibliográficas:

Brueggen, K., Kasper, E., Ochmann, S., Pfaff, H., Webel, S. Scheneide, W., Teipel, S. (2017). Cognitive rehabilitation in Alzheimer's disease: a controlled intervention study. J Alzheimers Dis.; 57 (4): 1315-1324.  

Buschert, V., Bokde, A.L.W., Hampel, H. (2010). Cognitive intervention in Alzheimer disease. Nat. Rev Neurol.;6:508–517. 

Choi, J., Psy, D., Twamley, E.W. (2013). Cognitive rehabilitation therapies for Alzheimer's disease: A review of methods to improve treatment engagement and self-efficacy. Neuropsychol Rev., Mar; 23(1): 48–62. 

Cicerone, H., Dahlberg, C., Malec, J., Langenbahn, D., Felicetti, T., & Kneipp, S. (2005). Evidence-based cognitive rehabilitation: Update review of the literature from 1998 through 2002. Arch Phys Med Rehabil., 86, 1681-92. 

Clare, L., Woods, R.T. (2001). A role for cognitive rehabilitation in dementia care. Neuropsychol Rehab; 11: 193-6 (Editorial).

Clare, L. (2008). Neuropsychological rehabilitation and people with dementia. Hove: Psychology Press.

Clare L, Linden DEJ, Woods RT, Whitaker R, Evans SJ, Parkinson CH, van Paasschen J, Nelis SM, Hoare Z, Yuen KSL, Rugg MD. (2010). Goal-Oriented Cognitive Rehabilitation for People With Early-Stage Alzheimer Disease: A Single-Blind Randomized Controlled Trial of Clinical Efficacy. American Journal of Geriatric Psych, 18:928–939. 

De Vreese, L.P., Fioravanti, M., Neri, M., Belloi, L., Zanetti, O. (2001). Memory Rehabilitation for Patients with Alzheimer’s Disease: a Review of progress. Int J Geriatr Psychiatry; 16: 794-809.

Dyck, P. (2004). Living a Quality Life in the Early Stage of Alzheimer's Disease or a Related Dementia. Alzheimer's Care Quarterly: April-May-June 2004 - Volume 5 - Issue 2 - p 108–110

Ernst, R.l., Hay, J.W., Fenn, C., Tinklenberg, J., Yesavage, J.A. (1997). Cognitive function and the costs of alzheimer disease: An exploratory study. Archives of Neurology.;54:687–693.

Germain, S., Wojtasik, V., Lekeu, F., A.Q., Quittre. A., Olivier, C., Godichard, V, Salmon, E. (2019). Efficacy of Cognitive Rehabilitation in Alzheimer Disease: A 1-Year Follow-Up Stud. Journal of Geriatric Psychiatric and Neurology., Volume: 32 issue: 1, page(s): 16-23. 

Gil, G. & Busse, A.L. (2019). Como lidar com Problemas de Memória e Doenças Degenerativas: guia prático para pacientes, familiares e profissionais da saúde. São Paulo: Editora Hogrefe. 

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Mckhann, G., Knopman, D., Chertkow, H., Hyman, B., Jack, C., Kawas, C., Phelps, C. (2011). The diagnosis of dementia due to Alzheimer's disease: Recommendations from the National Istitute on Aging Alzheimer's Association workgroups on diagnostic guidelines for Alzheimer's disease. Alzheimer's and Dementia, 7(3), 263-269. 

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